“Predestinado: A vida do craque Müller” é uma biografia pedagógica, por Rodrigo Cruz

OPINIÃO |10 de fevereiro de 2023 – 00:01
Por: Rodrigo Cruz

Foi isto que pensei ao concluir a leitura das 548 páginas de “Predestinado: A vida do craque Müller” (Vitalia, 2022): todo mundo deveria ler este livro.

A começar pelos biógrafos. Infelizmente o gênero tem sido invadido por obras superficiais, rasas, que sem constrangimento estampam em seus títulos o termo “a biografia” e, em sua contracapa, ousadamente, coisas como “a biografia definitiva”. Entre tantos, um exemplo onde em parte acontece isso é em “Silvio Santos: a biografia”, de Márcia Batista e Anna Medeiros. O livro, se muito, é um perfil de Senor Abravanel, tão parcos ali o aprofundamento e as informações sobre o biografado.

Na biografia de Müller, as histórias são contadas com início, meio e fim. Vê-se facilmente que a pesquisa empreendida foi das mais intensas, valendo-se de documentos, entrevistas e recortes de jornais e revistas. O próprio autor conta, nas páginas finais do livro, ter realizado sete viagens e mais de cem entrevistas a fim de apurar tudo o que queria e desejava.

O resultado é um livro em que o leitor não sente falta de informações nem tem a sensação de uma história contada pela metade. Nos raros momentos em que eventualmente alguma lacuna pode incomodar o leitor, Anderson Olivieri é honesto e avisa que não pôde ir além por indisposição da fonte. É o que ocorre, por exemplo, quando um entrevero entre Müller e Romário é desvendado e contado, porém sem que o Baixinho tenha dado a sua versão, pois se recusou a falar para o livro.

A alentada biografia honra os princípios da biografia clássica, tão bem produzidas por nomes como Ruy Castro, Jorge Caldeira e Fernando Morais. Anderson Olivieri estreia no gênero com potencial para alcançar o patamar desses caciques no assunto.

O livro também ensina as estrelas do esporte e artistas em geral. A fama até pode nunca passar – como no caso de Müller, ainda hoje celebrado e parado na rua por torcedores são-paulinos e da seleção brasileira -, mas os frutos dela, em especial o dinheiro que confere, se mal geridos, acabam. Olhar a trajetória patrimonial do Müller, a partir do que conta a biografia, é um bom modo de aprendizado para não se fazer, durante a fama lucrativa, desaforo com o dinheiro.

Mas já diz o clichê: nem tudo na vida é dinheiro. E nem tudo em “Predestinado: A vida do craque Müller” é fracasso. Pelo contrário. Trata-se, o biografado descrito por Anderson Olivieri, de um profissional vitorioso que, embora atingido por dificuldades mil ao longo do caminho, conquistou os pontos mais altos do universo desportivo graças ao talento e à dedicação. Por isso a obra é um bom guia para aqueles que pretendem fazer do dom e habilidade uma escada para o sucesso.

Anderson Olivieri é um bom contador de história. Sabe concatenar bem as frases, os parágrafos e os capítulos. É daqueles escritores que fisgam o leitor com habilidade e, até a página final, o mantêm capturado. Num primeiro momento, as 548 páginas da biografia do Müller me pareceram um exagero. Em três dias as venci e me dei conta, enfim, de que o personagem merecia mesmo livro tão alentado.

Com talento narrativo, o jornalista e escritor contou uma ótima história e me fez chegar ao fim lamentando não haver mais páginas a devorar. Por tudo isso, atesto: “Predestinado: A vida do craque Müller”, embora de largada pareça um excesso, é obra na medida para leitores regulares apreciadores de boas histórias.

A lamentar na biografia de estreia do jornalista brasiliense, apenas o papel de gramatura fina. Enquanto lê uma página, o leitor é atrapalhado pela sombra do conteúdo do verso. Talvez a editora tenha desejado evitar, com um papel mais encorpado, a ampliação do volume, que já é espesso. Resolveu um problema, mas criou outro. Com esta biografia pedagógica, fica a lição às editoras, portanto: não é agradável um papel que vaze o conteúdo escrito constante do verso.

Vê-se, assim, como “Predestinado: A vida do craque Müller” é um livro instrutivo em tantos sentidos. E uma leitura – não direi obrigatória porque pressupõe desagradável – deleitosa.

(Artigo de Rodrigo Cruz no site do Correio da Manhã)

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